Notícias

Notícia

Podemos creditar uma conta de "despesa"?

Existem questões recorrentes na área contábil devido à falta de embasamento teórico no ensino (o que dificulta a aplicação da teoria à prática). Esta é uma delas.

Autor: Salézio DagostimFonte: O Autor

Existem questões recorrentes na área contábil devido à falta de embasamento teórico no ensino (o que dificulta a aplicação da teoria à prática). Esta é uma delas.

Há alguns dias, um colega de São Paulo (SP) nos questionou a respeito, mais especificamente se poderíamos creditar na “despesa” o ressarcimento de uma multa paga por um funcionário.

Vejamos: Na literatura contábil, “débito” significa possuir (ter) alguma coisa. É por este motivo que se costuma dizer “cartão de débito”, que significa que a pessoa que vende vai ter “no ato” o valor da venda. “Débito de automóvel”, por exemplo, quer dizer que “eutenho automóvel”. “Débito de dinheiro”, por sua vez, que “eu tenho dinheiro”. Já o “crédito” representa aorigem dos “débitos”, ou de onde vieram as coisas que temos. É por isso que se diz “cartão de crédito” ou cartão de origem de coisas. Quando você tem crédito, você tem a capacidade de adquirir coisas. A conta Capital Social é credora porque é através do Capital Social que a pessoa jurídica adquire coisas. Da mesma forma, “fornecedor” é uma conta credora porque é através dele, fornecedor, que adquirimos coisas.

Os saldos das contas, quando “débitos”, são classificados como Ativo ou despesas; quando “créditos”, como Passivo ou receitas. As coisas que temos (débito), para que possam ser classificadas no Ativo, precisam terliquidez, ou seja, a capacidade de ser transformadas em dinheiro ou transferidas a terceiros.

Segundo o § 1º do art. 178 da Lei 6.404/76, no Ativo, as contas são dispostas em ordem decrescente do grau de liquidez. Ora, se os débitos que possuem liquidez são os nossos ativos, podemos afirmar que os débitos que não possuem liquidez são identificados como as nossas “despesas”. Se “crédito” representa origens de coisas, creditamos o Ativo quando através dele adquirimos coisas, quer pela venda, recebimento, ou pelo consumo.

Agora, como as “despesas” estão representadas por coisas que não possuem liquidez, que não podem ser transformadas em dinheiro, que não podem ser vendidas, a pergunta que fazemos é a seguinte: “Como podemos adquirir coisas (crédito) através das “despesas” se elas não possuem liquidez?” E a resposta é: “Nunca.”Através das “despesas” não podemos adquirir coisas porque “despesas” não possuem liquidez, e, desta forma, as contas de “despesas” não podem ser creditadas. É por isto que do ponto de vista da teoria da Contabilidade não podemos creditar uma despesa.

Da mesma forma, não podemos debitar uma conta de "receita". Isto porque as contas com saldo credor, por representarem origens de recursos, são classificadas como passivo ou como receitas. A diferença entre elas é que os créditos classificados como passivo são aqueles que representam obrigações, enquanto que as receitas não geram obrigações.

Assim, considerando que as receitas não geram obrigações, estes créditos não precisarão ser pagos ou devolvidos, e, por consequência, não poderão ser debitados.

Respondendo à pergunta feita inicialmente: Se a pessoa jurídica possui um documento que a autorize a requerer o ressarcimento das multas referidas, o registro desta multa como despesa foi efetuado de forma equivocada por se tratar de um pagamento com liquidez, devendo, neste caso, ser estornado das despesas e escriturado no Ativo para poder ser ressarcido.

Salézio Dagostim é contador; pesquisador contábil; professor da Escola Brasileira de Contabilidade (EBRACON) e da FACENSA (Rede CNEC); autor de livros de contabilidade; fundador e ex-presidente do Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul; sócio do escritório contábil estabelecido em Porto Alegre (RS), Dagostim Contadores Associados, à rua Dr. Barros Cassal, 33, 11º andar - salezio@dagostim.com.br